quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Início


A mãe começou a falar devagar, sopesando cada palavra: algo que, como devia saber, Filipe detestava.
- Lembraste... do namorado da tua irmã? - disse.
- Sim, lembro, o que é que tem a ver? - soltou, agastado.
- Bem, ele...
- Sim mãe, que tem ele? Vais-me dizer que ele é que veio cá a casa, aquele totó?

O pai quebrou o silêncio que mantinha da mesa de onde se sentava.
- Deixa a tua mãe falar, Filipe Miguel.

A mãe passou-lhe novamente a mão pelo cabelo, ajeitou a saia, e retomou a revelação.
- Bem, afinal parece que ele não era assim tão totó. Ele tinha muito jeito com os computadores, como sabes.
Filipe abanou a cabeça, concordando.

- Bem, parece que ele decidiu começar a fazer render o jeito que tem... mas não com as pessoas certas.
- Terroristas? - perguntou Filipe verdadeiramente espantado.
- Não filho.
Helena sorriu com a saída do filho, que perdeu a impaciência quando voltou a ver a mãe a sorrir. Não devia ser assim tão grave.

- Os clientes dele eram pequenas empresas, que tentavam saber o que andava a concorrência a fazer. Pequenas coisas, mas que deram dores de cabeça a muita gente.
- Então o que é que se passou?
- O último cliente dele... bem, ele não sabia bem com quem é que se estava a meter.
- Terroristas?
Os pais não resistiram à gargalhada, e o próprio Filipe não conseguiu conter um sorriso tímido. Sentiu-se como quando era pequeno, em que dizia um disparate qualquer durante as "conversas dos adultos".

- Não. Um traficante aqui da zona.
- Um drogado?
- Não filho, ser traficante não quer dizer que seja drogado. Um traficante de droga que queria entrar nos sistemas da polícia.
- E ele aceitou?
- Ao início não foi bem isso que lhe disseram. Mas sim.
- Oh mãe... mas como é que soubeste isso tudo?
- Foram os agentes da Polícia Secreta que me disseram.
- Polícia Secreta? Mas como...? Porque...?
- Calma... é onde está a tua irmã.

De todas as coisas que a mãe podia dizer, daquela não estava à espera.
- Ela ajudou aquele idiota?
- Não... - sossegou-o a mãe.

- Então... - abanou a cabeça, para derrubar os pensamentos que o afastavam da pergunta que mais o incomodava - o que é que teve o assalto cá de casa a ver com isso tudo?

domingo, 27 de dezembro de 2009

A Fúria

Todos queriam saber de Rita. Só Helena podia dar essa resposta. Filipe era o mais ansioso, mas a mãe estava cansada. Primeiro consolou o marido garantindo que a sua filha estava bem. Depois, muito calmamente, saiu da sala rumo ao quarto. Tomou banho, mudou de roupa. Desceu e inspeccionou a casa para ver se estava tudo como gostava.
Filipe, a pedido do pai, respeitou o tempo da mãe até que adormeceu no sofá. Quando acordou, deslumbrou os pais em frente. Comiam na sala de jantar com a calma de outros tempos. "Junta-te a nós, ainda está quente", disse a mãe num tom carinhoso.
De dentro do rapaz surgiu uma força tão grande, sentimento tão poderoso que pode-se chamar de fúria. Como era possível estarem os dois a jantar calmamente, quando ainda há horas atrás a mãe tinha regressado sem se saber de onde e a irmã continuava desaparecida?!
Os pais respeitaram aquele grito de revolta e deixaram-no falar. Quando terminou, exausto, Filipe sentou-se no sofá a chorar. Segurava a cabeça com as mãos, enquanto o corpo se dobrava sobre os joelhos. Então sentiu as carícias da mãe sobre o cabelo. Sabia que finalmente o novelo começaria a ser desenrolado.

sábado, 24 de outubro de 2009

O segredo

“Mãe? Mãe? És tu??” Filipe desatou a soluçar e as lágrimas corriam-lhe pela cara. Agarrou-se à sua doce mãe, Helena era o seu nome, que chegava a casa com uma perna partida e com uns quantos arranhões na cara.

O pai de Filipe estava no sofá, cabisbaixo e com umas olheiras de tantas noites sem dormir. Helena chegou-se ao marido e sussurrou-lhe algo ao ouvido, que foi imperceptível para Filipe…

sábado, 17 de outubro de 2009

Desaparecidas

Foi um sono prolongado. O acordar numa casa vazia. O tocar da campainha. Uma rapariga azul de uma infância passada. O estrondo. Sangue. Fugir para a casa velha. O aparecimento do pai. A saída de Porno tão estranha como a entrada na sua vida. Filipe pensou mesmo que não a voltaria a ver. Chegou à conclusão que tudo seria uma partida de alguém ou talvez uma tentativa de assalto e utilizassem a rapariga como isco.

A verdade é que não roubaram nada. A polícia vasculhou toda a casa e, aparentemente, não houve roubos. Apenas uma porta rebentada. Não havia vestígios de sangue o que consumiu a cabeça de Filipe nas semanas seguintes. Mas a verdadeira angústia foi o desaparecimento da mãe e de Rita.

Volvia já um mês quando apareceram as primeiras notícias.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

finalmente, a verdade

A figura em contraste com a luz avançou, permitindo que se lhe vissem as feições. Com uma mistura de alívio e surpresa, Filipe apercebeu-se que olhava para o pai. Instintivamente, correu para ele e abraçou-o. Subitamente embaraçado por aquele momento (afinal, já não era uma criança), desprendeu-se dos braços que o acolhiam, admirados e curiosos.

- A mãe e a Rita estã bem?, foi a primeira coisa que conseguiu dizer.
- Estão bem? Não estavam contigo em casa? - Filipe odiava quando lhe respondiam com uma pergunta, mas face à resposta inesperada do pai, nem reparou no facto.
- Não. Ainda não foste a casa? Alguém nos entrou em casa!
- Como?! Eu estava a caminho de casa quando te vi a correr como um doido para aqui, vim ver se estava tudo bem... Quem era a rapariga?
- É a Porno.
- Porno?! - inquiriu o pai, estranhando. Filipe corou antes de corrigir rapidamente.
- A Hannah, uma amiga de infância. Não a vês?

Virou-se para trás, e descobriu que estava a apontar para o vazio. Ao fundo da sala desgastada pelo tempo, uma porta meia solta balançava, denunciando a recente saída de Porno pelas traseiras. Encarou o pai estupefacto, e mais ainda ficou quando este se começou a rir.
- Tu e a tua irmã às vezes saem-se com cada uma que eu até acredito. Mas tiveste piada. Anda lá para casa.
Incapaz de dizer alguma coisa, Filipe seguiu o pai.

Passados cinco minutos de carro, em que o pai contava entusiasmado a nova aquisição da empresa, chegaram a casa. Filipe não se surpreendeu com a porta rebentada e os vizinhos que espreitavam, sem conter uma certa curiosidade mórbida. Foi apenas depois do Sr. Lima, o vizinho da direita, ter vindo dizer "Não se preocupe Sr. Melo, já chamamos a polícia", que o pai de Filipe olhou para o filho e disse:
- Faz o favor de me explicar já o que aconteceu aqui.

sábado, 26 de setembro de 2009

a luz azul

Depois da turbulência daqueles momentos, Porno, num triste pranto começou a soluçar. "Desculpa Filipe, desculpa mas eu..." Neste exacto momento, focos de luz acendem-se deixando a casa com um azulado que feria os olhos de ambos. Filipe levanta-se, olha ao seu redor mas apenas consegue vislumbrar um homem perto da porta que avança lentamente para eles.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

basta!

O instinto e Porno obrigaram-no a sair pelas traseiras e só pararam num local secreto. Era uma velha casa a dois quarteirões. Não estava habitada há mais de uma década e como ninguém reclamava pertença, os amigos de Filipe reuniam-se lá. Primeiro para jogar às escondidas, agora para algumas festas e namoros.
Quando despistaram as figuras gigantes que os seguiam, entraram na casa escura. O rapaz estava desesperado. O desaparecimento dos pais. O aparecimento de uma rapariga de cabelo azul. Sangue na sala. Sonho de uma infância que não recordava. Basta. Com uma violência que desconhecia, atirou Hannah para o sofá encarnado e rasgado pelo tempo. “Começa a explicar-te!”, disse num tom irritado e apontado o dedo. “Quem és tu? De quem era aquele sangue?” A palavra sangue fê-lo recuar e sentar-se no chão. Por segundos afunilou a cabeça entre os joelhos dobrados para encontrar coragem. “FALA!”